Universais
A primeira formulação concisa dos problemas lógicos e ontológicos dos termos universais encontra-se nas palavras de abertura da Introdução às categorias de Aristóteles, pelo filósofo neoplatónico Porfírio de Tiro (c. 234 – c. 305):
«Como é necessário, ó Crisaório, para conhecer a razão das Categorias de Aristóteles, saber o que é o género, o que é a diferença, o que é a espécie, o que é o próprio, e o que é o acidente, e como este saber é também necessário para formular as definições, e, de um modo geral, para tudo quanto abrange a divisão e a demonstração, cuja teoria é deveras úril, farte-ei uma breve exposição e tentarei em poucas palavras, como que numa espécie de inrrodução, percorrer o que sobre isso disseram os antigos filósofos, abstendo-me de indagações demasiado profundas, e não abordando, senão com parcimónia, mesmo as mais simples. Antes de mais, no que se refere aos géneros e às espécies, a questão de saber se elas são realidade em si mesmas, ou apenas simples concepções do intelecto, e, admitindo que sejam realidades substanciais, se são corpóreas ou incorpóreas se, enfim, são separadas ou se apenas subsistem nos sensíveis e segundo estes, é assumo de que evitarei falar: é um problema muito complexo, que requer uma indagação em tudo diferente e mais extensa».
Porfírio, Isagoge, trad. P. Gomes, Guimarães ed., Lisboa 1994, pp. 49-51.
Com estas palavras, dedicadas a um problema bem mais antigo, que pode ser reconduzido a Platão e Aristóteles, Porfírio formula as perguntas cuja resposta adia, mas que seriam levadas muito a sério pelos seus leitores e comentadores. Os autores medievais, começando desde logo por Boécio seu tradutor e primeiro comentador latino, fizeram delas uma querela que, para alguns, são o debate central da filosofia medieval a partir do qual grande parte dos problemas, discussões e argumentos dessa época seriam compreensíveis. Pelo menos é certo que a discussão não foi adiada pelos mestres medievais. Dedicaram ao problema dos universais inúmeros tratados, opúsculos, comentários, lições, questões, desde logo no âmbito do estudo da citada obra de Porfírio que desde o século XIII haveria de transformar-se num dos textos obrigatórios dos cursos de lógica nas faculdade de Artes. A questão dos universais mereceu também particular atenção no contexto do estudo de outras obras, como as Categorias, o De anima, a Metafísica, ou, na Faculdade de Teologia, nos comentários às Sentenças de Pedro Lombardo.
Neste como em quase todos os debates medievais é virtualmente impossível encontrar dois autores que concordem completamente entre si. As diferentes soluções ao problema dos universais (que vão do realismo ao nominalismo mais extremos) encontram na Idade Média formulações rigorosas com uma criatividade que ainda mal conhecemos e que os estudos contemporâneos exploram de modo intenso. A discussão sobre os universais não está apenas presente nas discussões de lógica e metafísica, mas encontra expressão e afeta todos os domínios: teologia, física, psicologia, ética.
Ver o seminário do GFM / IF em 2011-2012 sobre os universais.
Bibliografia
Autores e textos
(seleção)
- Porfírio, Isagoge, Prol., cap. I-VI.
- Boécio, In Isagoge Porpyrii commenta, editio prima, I, 10
- Boécio, In Isagoge Porpyrii commenta, editio secunda, I, 10
- Avicena, Metaphysica, V, 1-2.
- Abelardo, Logica ingredientibus, parte I: Glossae super Porphyrium (trad. Carlos Arthur R. Nascimento, Lógica para principiantes, 2ª ed., UNESP, São Paulo 2005)
- João de Salisbúria, Metalogicon, II, 17-20.
- Pedro Hispano, Tractatus / Summulae logicales, II: De praedicabilibus, ed. L.M. de Rijk, Assen 1970.
- Tomás de Aquino, O ente e a essência, cap. III (trad. M.S. Carvalho, Ed. Contraponto, Potro, 1995, pp. 82-86).
- João Duns Escoto, Ordinatio, II, distinctio 3, pars 1
- Guilherme de Ockham, Summa logicae.
- João Wyclif, Tractatus de universalibus.
- Walter Burley/Burleigh, Tractatus de universalibus [após 1337] : Tractatus de universalibus. Traktat über die Universalien, lateinisch-deutsch, übers. u. hrsg. v. H.-U. Wöhler, Verlag der Sächsischen Akademie der Wissenschaften, Leipzig 1999.
Dossiers de textos traduzidos
Em espanhol
- La cuestión de los universales en la Edad Media. Selección de textos de Porfirio, Boecio y Pedro Abelardo, introd., trad. y notas de María Florencia Marchetto y Antonio Tursi, “Estudio preliminar” por Francisco Bertelloni, Ediciones Winograd, Buenos Aires 2010.
Em inglês:
- Spade, Paul Vincent, Five texts on the mediaeval problem of universals, Hackett, Indianapolis 1994.
- Spade, Paul Vincent, History of the Problem of Universals in the Middle Ages: Notes and Texts [dossier de notas e novos textos traduzidos; pdf online, 1994].
- Tweedale Martin, Scotus vs. Ockham - A Medieval Dispute Over Universals, Vol. I: Texts, Edwin Mellen Press, Lewiston 1999.
- outros materiais sobre lógica, metafísica e universais do prof. Paul Vincent Spade --> http://www.pvspade.com/Logic/index.html
Em italiano:
- Maioli, Bruno, Gli universali: storia-antologica del problema da Socrate al XII secolo, Bulzoni, Roma 1974.
Breve linkografia sobre o problema dos universais
- Ashworth, E. Jennifer, «Medieval Theories of Singular Terms», The Stanford Encyclopedia of Philosophy, Edward N. Zalta (ed.), URL http://plato.stanford.edu/entries/singular-terms-medieval/
- Bigelow, John C, «Universals», em E. Craig (ed.), Routledge Encyclopedia of Philosophy, Routledge, London - New York 1998, pp. [da Filosofia antiga à Filosofia contemporânea], trad. port. de Vítor Guerreiro, em Crítica na rede: http://criticanarede.com/met_universais.html
- Corazón, Raul, Selected Bibliography on the Problem of Universals in Antiquity and Middle Ages: http://www.ontology.co/biblio/universals-history-biblio.htm
- Gracia, Jorge - Newton, Lloyd, «Medieval Theories of the Categories», The Stanford Encyclopedia of Philosophy, Edward N. Zalta (ed.), URL http://plato.stanford.edu/entries/medieval-categories/
- Klima, Gyula, «The Medieval Problem of Universals», The Stanford Encyclopedia of Philosophy, Edward N. Zalta (ed.), http://plato.stanford.edu/entries/universals-medieval/
- Spade, Paul Vincent, History of the Problem of Universals in the Middle Ages: Notes and Texts [dossier de notas e novos textos traduzidos; pdf online, 1994].
- Spade, Paul Vincent, [Materiais sobre lógica, metafísica e universais] --> http://www.pvspade.com/Logic/index.html
Estudos gerais
- Arlig, Andrew A., «Universals», em H. Lagerlund (ed.), Encyclopedia of Medieval Philosophy. Philosophy Between 500 and 1500, 2 vol., Springer, Dordrecht 2010, pp. 1353-1359.
- Gracia, Jorge, Introduction to the Problem of Individuation in the Early Middle Ages, (Analytica Series) Philosophia Verlag - Catholic University of America Press, München - Washington D.C. 1984 (2ª ed. 1988).
- Leite Júnior, Pedro, O problema dos universais. A perspectiva de Boécio, Abelardo e Ockham, (col. Filosofia, 125), EDICPUCRS, Porto Alegre 2001.
- Libera, Alain de, La querelle des universaux: De Platon à la fin du Moyen Age, Éditions du Seuil, Paris 1996.
Estudos temáticos
Nominalismo
- Rodriguez-Pereyra, Gonzalo, «Nominalism in Metaphysics», The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Fall 2011 Edition), Edward N. Zalta (ed.), URL http://plato.stanford.edu/entries/nominalism-metaphysics/
- Rosen, Gideon, «Abstract Objects», The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Fall 2009 Edition), Edward N. Zalta (ed.), URL http://plato.stanford.edu/entries/abstract-objects/
Realismo
- Khlentzos, Drew, «Challenges to Metaphysical Realism», The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Spring 2011 Edition), Edward N. Zalta (ed.), URL http://plato.stanford.edu/entries/realism-sem-challenge/
- Miller, Alexander, «Realism», The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Summer 2010 Edition), Edward N. Zalta (ed.), URL http://plato.stanford.edu/entries/realism/
Universais: medievais e contemporâneos
- Vincent Carraud et Stéphane Chauvier (org.), Le réalisme des universaux, vol. n° 38-39, (2002) des Cahiers de philosophie de l’Université de Caen.
Autores
Abelardo
- Antonio Tursi, «Las críticas de Pedro Abelardo al realismo: dos lecturas de la Isagoge de Porfírio», em AAVV, Lenguaje, lógica y ontología en cinco pensadores medievales: Anselmo de Aosta, Pedro Abelardo, Juan Duns Escoto, Guillermo de Ockham y Nicolás d Cusa, Jorge Baudino editores, Buenos Aires 2011, pp. 63-109.
João de Salisbúria (Iohannes Sarisberiensis)
- Antonio Tursi, «Los universales como ficciones (figmente) según Juan de Salisbury», Patristica et Mediaevalia, 33 (2012) 51-63
Radulfo Bretão (Radulphus Britonis)
- Jan Pinborg, «Radulphus Brito on Universals», Cahiers de l'institut du Moyen Âge Grec et Latin, 35 (1980) 56-142 [constituído pela edição de textos das Quaestiones super Porphyrium e do comentário ao De nima, q. 6, de Radulfo, e críticas por Hervaeus Natalis, Petrus Aureolis e Hugo de Utrecht].
Duns Escoto e Ockham
- Gustavo Fernández Walker, «Dos lecturas de Avicena, Metafísica V, 1: Duns Escoto y Guillermo de Ockham acerca de los universales», em AAVV, Lenguaje, lógica y ontología en cinco pensadores medievales: Anselmo de Aosta, Pedro Abelardo, Juan Duns Escoto, Guillermo de Ockham y Nicolás d Cusa, Jorge Baudino editores, Buenos Aires 2011, pp. 137-171.
- Martin Tweedale, Scotus vs. Ockham - A Medieval Dispute Over Universals, Vol. I: Texts.; Vol. II: Commentary, Edwin Mellen Press, Lewiston 1999.